Mas a linguagem do
corpo nunca se exaure; nós podemos falar durante uma hora como uma pestana.
Existem coisas íntimas, delicadas, sombras das folhas da Árvore da Alma que
dançam na brisa do Amor, tão sutis que nem Keats nem Heine em palavras, nem
Brahms nem Debussy em música, puderam dar-lhe corpo. É a agonia de todo
artista, quanto maior ele é, maior o seu desespero, pois, não consegue
expressar todas essas coisas. E aquilo que não podem fazer, nem uma única vez
numa vida de ardor, é feito em toda
plenitude pelo corpo que, Amando, aprendeu a lição de como Amar.” Aleister Crowley
Mais de uma escola
mística, budista ou vishnuísta, continuou a usar o maithuna yóguico-tântrico, e
no entanto o "amor devocional" continuou a desempenhar um papel
primordial. A corrente mística profunda conhecida por sahajiya, que é um
prolongamento do tantrismo, seja este derivado do budismo ou do hinduismo,
mantêm uma primazia pelas técnicas eróticas.
Apesar disso, tanto ao
nível do tantrismo como do hathayoga, a união sexual é compreendida como um
meio para atingir a "beatitude suprema", amahasukha, que não se deve
alcançar jamais mediante uma emissão seminal.
O maithuna surge-nos
então como o desfecho de uma longa e árdua aprendizagem ascética. O neófito
deve dominar perfeitamente os seus sentidos, e mediante este propósito deve
aproximar-se gradualmente da "mulher devota" (nayika), e
transformá-la, mediante um desenrolar teátrico iconográfico préviamente
interiorizado, em deusa. Para isso, deve servi-la como um criado, durante os primeiros
quatro meses; primeiro dormir no mesmo quarto que ela, e depois aos seus pés.
Durante os quatro meses
seguintes, apesar de a continuar a servir, deverá dormir na sua cama, ao seu
lado esquerdo. Deverá dormir ao seu lado direito durante outros quatro meses, e
depois abraçados, etc. Todos estes preliminares têm por objectivo a
"autonomização" da voluptuosidade - considerada como a única
experiência que poderá conduzir à beatitude nirvânica - e o domínio dos
sentidos, assim como a detenção seminal.
No Navika-sadahna-tika
é descrito todo o cerimonial em grande detalhe. Este é composto por oito
partes, começando pela sadahna - a concentração mística com a ajuda de fórmulas
litúrgicas; seguido dasmarana (a recordação, o penetrar na consciência), o aropa
(atenção dada a outras qualidades do objecto) quando se oferecem
cerimonialmente flores à navika (que começa a tranformar-se em deusa);
manana("recordar a beleza da mulher quando ela está ausente"), que já
implica uma interiorização do ritual.
Na quinta etapa, dhyana
(meditação mística), a mulher encosta-se à esquerda do seu devoto e é abraçada
"de forma a que o espírito se consiga inspirar". Na puja, (o
"culto" própriamente dito), é adorado o local em que a navika se
senta, fazem-se oferendas e banha-se a mulher como se banha uma imagem de uma
deusa. Durante este tempo, o praticante vai repetindo mentalmente fórmulas.
A concentração alcança
o seu grau máximo quando se leva a navika nos braços e se a deposita no leito,
repetindo a fórmula: Hling kling kandarpa svaha. A união tem lugar entre
"os deuses". O jogo erótico realiza-se num plano transfisiológico,
porque nunca tem fim. Durante o maithuna, o yoguin e sua nayika incorporam uma
"condição divina", no sentido em que não só experimentarem a
beatitude, mas poderem também contemplar directamente a realidade essencial.
Não se deve esquecer
que o maithuna não deve nunca terminar numa emissão seminal: boddhicitam
notsrjet, "não se deve emitir o semen", repetem o textos. Caso
contrário, o yoguin ficará à mercê da lei do tempo e da morte, como um
libertino vulgar. Com estas práticas, a "voluptuosidade" exerce o
papel de um "veículo", permitindo a tensão máxima e abolindo a
consciência vulgar, inaugurando o estado nirvânico, osamasara, a experiência
paradoxal da Unidade. Como já tinhamos visto - o samasara obtem-se apartir da "imobilização"
da respiração, do pensamento e do sémen.
Os Doha-kosa de Kanha
insistem constantemente neste ponto: a respiração "não sobe nem desce; não
faz nem uma coisa nem outra, permanece imóvel". "Quem a tiver conseguido aquietar na
raíz do seu espírito mediante a identificação do gozo (samasara) num estado
inato (sahaja), converte-se imediatamente num mago; não teme a velhice nem a
morte."
É a "identidade do
gozo" que ocorre durante a experiência incomensurável da Unidade
(samasara), quando se alcança o estado de sahaja, o estado do
não-condicionamento, da espontaniedade pura. Por outro lado, todos estes termos
são de difícil tradução. Cada um se esforça por expressar o estado paradoxal da
não-dualidade absoluta (advaya) que desemboca no mahasukha, a Grande Beatitude.
Assim como o bramhan
das Upanishades e dos vedas, o nirvana dos mahayanistas, o estado do sahaja é
indefinível; não se pode conhecer a um nível dialético, apenas se poderá
apreender através de experiências vividas. "O mundo inteiro, diz-nos o
Hevajratantra, encontra-se patente na essência dosahaja, uma vez que o sahaja é
a quintessência (svarupa) do todo. Esta quintessência é o nirvana para quem
possuír o espírito (citta) puro." Poderemos chegar ao estado do sahaja
após transendermos a dualidade; por essa razão, os conceitos de advaya
(não-dualidade) e yuganddha (princípio da união) ocupam um importante lugar
dentro da metafísica tântrica.
Esta dialética é o tema
favorito da corrente madhyamica e de uma forma geral de todos os filósofos mahayanistas. Mas o tântrico interessa-se
particularmente pela realização (sadhana); deseja "realizar" o
paradoxo expresso em todas as fórmulas e imagens que caracterizam a união dos contrários,
deseja aceder através da experiência ao estado da não-dualidade.
Os textos budistas têm
popularizado sobretudo os "pares opostos": prajna, a sabedoria, e
upaya, o meio de a obter; sunya, o vazio, e karuna, a compaixão.
"Unificá-las" ou "transcendê-las" equivalia em suma aceder
ao estado paradoxal de umbodhisattva; na sua sabedoria, este não vê mais
pessoas (sendo que metafísicamente, a "pessoa" não existe; o que
existe é um conjunto de elementos), e portanto, mediante a sua compaixão, o
bodhisattvaesforça-se por salvar as pessoas.
O tântrismo multiplica
os "pares opostos": sol e lua, Shiva e Shakti, idá e pingalá, etc., e
como acabámos de ver, esforça-se por "unificá-los" mediante técnicas
fisiológicas subtis e também através da meditação. É importante sublinhar este
feito: independentemente do nível do que se consiga realizar, a união dos
opostos representa a superação do mundo dos fenómenos físicos, a abolição de
toda a experiência da dualidade.
As imagens utilizadas
sugerem o retorno a um estado primordial de não-diferenciação: a unificação do
Sol e da Lua traduz a "destruíção do cosmos" e, consequentemente, o
regresso à Unidade primordial. Nohathayoga, o indivíduo esforça-se por obter a
"imobilização" da respiração e do sémen; é-lhe também pedido o
"retorno do sémen", o que em si mesmo é um acto paradoxal, impossível
de ser concretizado num contexto fisiológico "normal", dentro duma
noção "normal" de cosmos.
Por outras palavras, o
"retorno do sémen" traduz, no aspecto fisiológico, a "transcendência"
do mundo dos fenómenos, o acesso à liberdade. Não é mais do que uma aplicação
prática do acto de "ir contra a corrente" (ujana sadhana), o processo
regressivo (ulta) dos Nath-siddha, implicando uma total "inversão" de
todos os processos psico-fisiológicos. No fundo não mais do que a misteriosa
noção de varavrtti, amplamente documentada nos textos mahayanistas, e que no
tantrismo também se designa por "retorno do sémen".
O "retorno",
a "regressão" implicam - para quem as realiza - a aniquilação do
cosmos e consequentemente, a "saída do Tempo", o acesso à
imortalidade. No Goraksa-vijava, Durga ("Shakti, Prakrti"), dirige-se
a Shiva nos seguintes termos: "Como é possível, Senhor, que tu sejas
imortal, e que eu seja mortal? Revela-me a verdade, Senhor, para que eu também
me possa converter em imortal!" É aqui que Shiva revela a
doutrinahathayoga. Sendo assim, a imortalidade obtem-se detendo a manifestação,
o processo de desintegração; há que "ir contra a corrente", e
reencontrar a Unidade primordial, imóvel, que existia antes da ruptura.
É isto que fazem os
hathayoguis ao unir o "Sol" com a "Lua". Este acto
paradoxal efectua-se através de vários níveis; mediante a união de Shakti
(kundalini) com Shiva no nosso próprio corpo, obtem-se a inversão do processo
cósmico, a regressão a um estado indiferenciado de Totalidade original;
"fisiológicamente", a conjunção Sol-Lua traduz-se por uma união de
prana e apana, ou melhor, uma "totalização" da respiração, mediante a
sua detenção. Em último lugar, a união sexual, mediante determinada postura
(vajrolimudra), leva ao "retorno do sémen". Mircea Eliade, O Erotismo Místico na Índia
Quando
Salomé perguntou quando as coisas referentes ao que ela tinha perguntado seriam
conhecidas, o Senhor disse: Quando vocês tiverem pisoteado nas vestes da
vergonha e quando os dois se tornarem um e quando o macho com a fêmea não é nem
macho nem fêmea.
Clemente
de Alexandria, Stromata
Adoro o teu blog..sempre que possível compartilho tuas postagens no meu blog semeadora de luz...Grata pelas tuas palavras e ensinamentos...beijos ana
ResponderExcluirOlá Ana,
ResponderExcluirObrigado querida,
Seja sempre muito bem vinda e fique sempre a vontade para compartilhar a matérias aqui postadas.
Bj no seu coração.
MMs