Continuação:
CAPÍTULO III
O
portão da criação do homem
1. Embora isso já tenha
sido explicado suficientemente em outros livros, como nem todos os tem em mãos,
é necessário que se faça um resumo sobre a criação do homem, a fim de que a
encarnação de Cristo seja, mais à frente, bem compreendida. Também por causa
das pérolas, as quais no curso de sua busca, cabem mais e mais ao homem, sendo
reveladas e concedidas à ele. Recriar a mim mesmo com Deus, produz em mim
grande satisfação.
2. A criação do homem
ocorreu em todos os três Princípios, ou seja, na natureza e propriedade eterna
do Pai, na natureza e propriedade eterna do Filho, e na natureza e propriedade
deste mundo. No homem, criado pelo Verbum Fiat, foi soprado o espírito ternário
para sua vida, a partir de três princípios e fontes. Por um Fiat triplo ele foi
criado, compreenda o que é corporal e essencial; a vontade do coração do Pai
introduziu no homem o espírito, de acordo com todos os três Princípios.
Compreenda isso da seguinte forma:
3. O homem foi criado
inteiramente à semelhança de Deus. Deus manifestou-se na humanidade numa
imagem, que deveria ser como Ele próprio. Pois Deus é tudo e tudo surgiu dele;
como nem tudo é bom, conseqüentemente o tudo não é chamado Deus. Pois, com
relação à pura divindade, Deus é um espírito de luz-flamejante e habita em nada,
unicamente em si mesmo; não há nada como ele mesmo. Mas com relação à
propriedade do fogo, de onde a luz é gerada, conhecemos a propriedade do fogo
como sendo a natureza, que é a causa da vida, movimento e espírito, de outra
forma não haveria nenhum espírito, nenhuma luz, nenhum ser, mas uma eterna
quietude; não haveria características, nem virtudes, mas somente um não
fundamento sem nenhum ser.
4. Embora a luz da
Majestade habite o não fundamento (falta de fundamento) sem ser capturada pela
natureza e propriedade ígnea, devemos considerar o fogo e a luz, da seguinte
forma: O fogo possui e produz uma fonte terrível e consumidora. Ora, há na
fonte um decair, como um morrer, ou uma livre desistência. Esta livre rendição
atinge a liberdade fora da fonte, como na morte, sem que haja morte alguma; mas
ela descende um grau mais profundo em si mesma sendo libertada do tormento da
angustia do fogo, mantendo a aspereza do fogo – mas não na angústia e sim na
liberdade.
5. Com isso, a
liberdade e o não fundamento passam a ser uma vida, e tornam-se uma luz; pois a
liberdade recebe um lampejo da fonte angustiante e passa a desejar a
substancialidade; o desejo se faz fecundo com a substancialidade da liberdade e
da brandura. Pois aquilo que se aprofunda ou se volta para longe da fonte da
angústia, regozija-se por estar livre da angústia, atraindo a satisfação para
dentro de si e passa, com sua vontade, para fora de si, penetrando a vida e o
espírito de alegria. Para expressar tal fato necessitaríamos de uma linguagem
angélica. Mas na seqüência, ofereceremos ao leitor que ama à Deus, uma curta
notificação para sua reflexão, a fim de compreender a substancialidade celeste.
6. Em Deus tudo é
poder, espírito e vida; mas o que é substância não é espírito. Aquilo que
descende do fogo, no não poder, é substância. Pois o espírito continua no fogo,
mas separado em duas fontes: a do fogo e a que se inclina para a liberdade e
para a luz. Esta última é chamada Deus, pois é branda e amorosa, contendo em si
o reino da satisfação. O mundo angélico é compreendido na liberdade que
descende da substancialidade.
7. Por termos
abandonado a liberdade do mundo angélico para penetrarmos a fonte de trevas,
cujo abismo é o fogo, não haveria remédio para nós, a menos que o poder e o
Verbo da luz, como um Verbo da Vida Divina, torna-se um homem, a fim de nos
tirar das trevas, através do tormento do fogo, da morte no fogo, penetrando
novamente a liberdade da Vida divina, a essencialidade divina. Portanto, o
Cristo tinha que morrer e com o espírito da alma passar pelo fogo da Natureza
eterna, ou seja, pelo inferno e pela cólera da Natureza eterna, para a
essencialidade divina, fazendo de nossa alma um caminho através da morte e da
cólera, neste caminho devemos com Cristo e em Cristo penetrar a morte para a
Vida divina eterna.
8. Mas com relação a
essencialidade divina, ou seja, com relação a corporalidade divina, devemos
compreender o seguinte: A luz fornece a brandura como um amor; ora, a angústia
do fogo deseja a brandura, capaz de saciar sua grande sede; pois o fogo é um
desejar e a brandura um ceder, já que cede a si mesma. Assim, no desejo da
brandura, o ser é produzido, como uma essencialidade substancial que escapou da
ferocidade, que doa livremente sua própria vida: tal é a corporalidade. Pois,
através do poder na brandura, torna-se substancial, sendo atraída e retida pelo
amargor, ou seja, pelo Fiat eterno. Chama-se substancialidade ou corporalidade
porque encontra-se rebaixada à fonte-ígnea e espírito, estando relativamente
fraca, morta ou sem poder, embora seja uma vida essencial.
9. É preciso que o
leitor entenda bem. Quando Deus criou os anjos, apenas dois Princípios estavam
manifestados no ser, ou seja, a existência no fogo e na luz, quer dizer,
primeiro envolvendo a essencialidade ígnea no Fiat severo e amargo, com as
formas da natureza ígnea; em segundo lugar, envolvendo a essencialidade celeste
do santo poder com as fontes-aquosas da brandura da vida de satisfação, na
qual, como no amor e na brandura, o divino súlfur foi gerado, seu Fiat foi a
vontade desejosa de Deus.
10. Desta Essência
divina, assim como da Natureza de Deus, os anjos foram criados como criaturas.
O espírito dos anjos, ou fonte de vida, continua no fogo; pois sem fogo não
existe espírito algum. Mas passam do fogo para a luz, onde recebem a fonte do
amor. O fogo foi apenas a causa de suas vidas; mas a ferocidade do fogo foi
extinta pelo amor, na luz.
11. Lúcifer desprezou
isso e permaneceu um espírito de fogo. Assim, ele se elevou e acendeu a
essencialidade em seu lócus, de onde a terra e as pedras foram produzidas; ele
foi banido. Começa aqui a terceira corporalidade e o terceiro Princípio,
juntamente com o reino deste mundo.
12. Como o demônio foi
banido do terceiro Princípio para as trevas, Deus criou uma outra imagem à Sua
semelhança para esta região. Mas se esta imagem deveria ser a imagem de Deus,
segundo todos os três Princípios, tinha que ser tirada de todos os três, e de
cada entidade desta região, assim como o Fiat tinha, na criação, se manifestado
no éter, em conexão com o trono principesco de Lúcifer. Pois o homem ocupou o
lugar de Lúcifer; desde então, a grande inveja dos demônios não atribui ao
homem esta honra, mas o tem guiado continuamente pelo caminho corrupto e
demoníaco, a fim de poderem aumentar seu reino. Fazem isso em rebeldia à
brandura ou ao amor de Deus. Além do mais, acreditam, por viverem na ferocidade
do forte poder, serem maiores do que o Espírito de Deus, que consiste de amor e
brandura.
13. Assim, a
Vontade-Espírito de Deus ou o santo Espírito dispôs o Fiat duplo em dois
princípios, ou seja, o interno no mundo angélico e o externo neste mundo,
criando o homem (Mesch ou Mensch) como uma pessoa mista. Pois deveria ser uma
imagem do mundo interior e exterior, devendo reinar pela qualidade interior
sobre a qualidade exterior: desta forma ele seria a semelhança de Deus; pois a
natureza exterior estava suspensa na natureza interior. O paraíso florescia
através da terra e o homem estava neste mundo, na terra, no Paraíso. O fruto
paradisíaco crescia para ele até a queda. Quando o Senhor amaldiçoou a terra, o
Paraíso passou para o mistério, tornando-se para o homem um mistério ou
segredo; contudo, se o homem nascer de novo de Deus, habitará pelo homem
interior, no Paraíso, mas pelo homem exterior, neste mundo.
14. Iremos mais além no
que se refere à origem do homem. Deus criou seu corpo da matriz da terra, de
onde a terra foi criada. Tudo encontrava-se misturado, e ainda assim dividido
em três Princípios coexistentes com os três tipos de essências, no entanto aquela
da cólera feroz não era conhecida. Se Adão tivesse permanecido na inocência,
teria vivido o tempo todo deste mundo em dois Princípios unicamente, e teria
reinado por um sobre todos; o reino da cólera feroz nunca teria sido
manifestado ou conhecido, embora este reino estivesse dentro dele.
15. O corpo de Adão foi
criado pelo Fiat interno, a partir do elemento interior, onde permanece o
firmamento interno e o céu com as essências celestes; foi criado também, pelo
Fiat externo, a partir dos quatro elementos da natureza externa e das estrelas.
Pois, na matriz da terra o Fiat interno e externo encontravam-se misturados. O
paraíso estava lá, e o corpo foi criado mais que nada para o Paraíso. Ele
possuía a essencialidade terrestre e divina em si; mas a terrestre
encontrava-se como que absorvida na essencialidade divina ou desprovida de
poder. A substância ou matéria da qual o corpo foi feito ou criado era uma
massa, ou uma água e um fogo, com as essências dos dois Princípios; embora o
primeiro também estivesse contido nele, não estava ativo. Cada Princípio
deveria permanecer em seu lugar, sem se misturar com os outros, como ocorre em
Deus: desta forma, o homem seria uma completa semelhança do ser de Deus.
Sobre
a insuflação da alma e do espírito
16. O corpo é uma semelhança,
de acordo com a substancialidade de Deus, e a alma e o espírito uma semelhança,
de acordo com a Santíssima Trindade. Deus deu ao corpo sua substancialidade a
partir dos três Princípios, e o espírito e a alma a partir da fonte do Espírito
ternário da Divindade Onipresente. Devemos compreender que a alma com sua
imagem e seu espírito exterior surgiu dos três Princípios, sendo soprada e
introduzida no corpo, como afirma Moisés: “Deus soprou nas narinas do homem o
sopro da vida, e o homem tornou-se uma alma vivente” (Gen. 2,7).
17. Ora, o sopro e o
espírito de Deus incluem três tipos de fontes. No primeiro Princípio é um
sopro-ígneo ou espírito, que consiste na verdadeira causa da vida e que
encontra-se na qualidade do Pai, como no centro da natureza ígnea. No segundo
Princípio, o sopro e o espírito de Deus é a luz-flamejante ou espírito-amor, o
verdadeiro espírito da Cabeça de Deus, cujo espírito é conhecido como Deus o
Espírito Santo. No terceiro Princípio, como na similitude de Deus, o sopro de Deus
é o espírito-ar, sobre o qual o Espírito Santo se movimenta, como diz Davi: “O
Senhor caminha sobre as asas do vento” (Ps. Civ. 3); e Moisés: “O Espírito de
Deus moveu-se pela face das águas, sobre o golfo de onde surge o vento
(spiritus mundi) (Gen.1,2).
18. Esse espírito
ternário contém o Deus completo soprado e introduzido na imagem criada, a
partir de todos os três Princípios. Primeiro, o espírito-fogo, que Deus
introduziu no homem de dentro, não pelas narinas, mas no coração, na dupla
tintura do sangue interno e externo, embora o exterior não fosse conhecido,
pois era um mistério. O sangue interior, contudo, estava em evidência e possuía
duas tinturas, uma que derivava-se do fogo e outra da luz. Esse espírito-fogo é
a verdadeira alma essencial, pois possui o centrum naturae com suas quatro
formas como seu fogo-poder. Ela mesma inflama o fogo, transformando-se na roda
das essências.
19. Este não é, de
fato, a verdadeira imagem de acordo com a Divindade, mas um fogo mágico e sem
fim, que nunca teve um início, nem tampouco terá fim. Compreenda que Deus
introduziu o eterno fogo sem origem (que desde a eternidade existe por si só,
na Magia eterna, ou seja, na vontade de Deus, no desejo da natureza eterna,
como um eterno centro parturiente) nesta imagem, que deveria ser a Sua imagem.
20. Em segundo lugar,
ao mesmo tempo, o fogo essencial da alma, o Espírito Santo, introduziu a
luz-flamejante do espírito-amor, de si mesmo no homem, unicamente no segundo
Princípio, onde a Divindade é compreendida; não nas narinas, mas como o fogo e
a luz encontram-se suspensos um para o outro sendo um, embora em duas fontes.
Assim o bom espírito-amor foi introduzido em seu coração, com o espírito-fogo
essencial, e cada fonte trouxe consigo sua tintura própria, como uma vida especial
de si mesma. Na tintura-amor compreende-se o verdadeiro espírito, a imagem de
Deus, uma semelhança da pura e verdadeira Divindade, que assemelha-se ao homem
completo e preenche todo o homem, mas em seu Princípio.
21. A alma é, por si
só, um olho de fogo ou um espelho de fogo, no qual a Divindade se manifestou,
segundo o Primeiro Princípio, ou seja, de acordo com a natureza; pois ela é uma
criatura, sem ter sido criada como semelhança. Mas sua imagem, gerada a partir
de seu olho de fogo na luz, é a verdadeira criatura, por causa da qual Deus
tornou-se homem e trouxe-a novamente para o santo ternário, resgatando-a da
cólera da Natureza eterna.
22. Certamente, a alma
e sua imagem são juntas um espírito; mas a alma é um fogo faminto e deve ter
substância, caso contrário torna-se um abismo obscuro e faminto, como ocorreu
com os demônios. A alma produz o fogo e a vida, e a brandura da imagem produz o
amor e a essencialidade celeste. Assim, o fogo da alma é moderado e repleto de
amor; pois a imagem contém água da fonte de Deus, e flui para a vida eterna;
essa água é amor e brandura, extraindo estas qualidades da Majestade de Deus.
Como se pode ver num fogo aceso, o fogo em si possui qualidade fervente e
ígnea, e a luz uma qualidade branda e graciosa; e como nas profundezas deste
mundo, a água é produzida da luz e do ar, o mesmo ocorre aqui.
23. Em terceiro lugar,
Deus soprou nas narinas do homem, ao mesmo tempo e de uma só vez, o espírito
deste mundo, com a fonte das estrelas e dos elementos, ou seja, o ar (spiritus
mundi). Ele deveria ser um administrador no reino externo e revelar as
maravilhas do mundo exterior, foi para este fim que Deus criou o homem também
na vida exterior. Mas o espírito exterior não deveria transgredir a imagem de
Deus, nem a imagem de Deus deveria abrigar em si o espírito exterior,
permitindo que este governasse sobre Si, pois seu alimento provinha do Verbo e
poder de Deus. O corpo exterior recebia o alimento paradisíaco- que não era
tomado no estômago ou carcaça, já que o homem não possuía este apêndice. Além
disso, ele não possuía forma masculina ou feminina, pois era os dois, contendo
as duas tinturas, ou seja, a da alma e a do espírito, do fogo e da luz, e
deveria produzir de si mesmo um outro homem, segundo a sua semelhança. Ele era
uma virgem casta no puro amor; amava a si mesmo e se fazia fecundo pela
imaginação, e desta forma ocorria a sua reprodução. Ele era o senhor das
estrelas e dos elementos, a semelhança de Deus. Como Deus habita nas estrelas e
nos elementos, sem que nada O apreenda, Ele reina sobre todas as coisas: da
mesma forma foi criado o homem. A fonte terrestre não encontrava-se totalmente
ativa nele. De fato, ele possuía o espírito-ar, mas o frio e o calor não o
afetava, pois a essencialidade de Deus tudo penetrava. Como o Paraíso germinava
e florescia pela terra, também a essencialidade celeste cresce no ser externo
de seu corpo e espírito exterior. O que parece estranho a nós na vida
terrestre, certamente é possível em Deus.
24. Em quarto lugar,
através da introdução de sua pura imagem celeste no Espírito de Deus, Adão
recebia também o Verbo vivificante de Deus, esse era o alimento de sua alma e
imagem. O mesmo Verbo vivificante era envolvido pela divina Virgem da
sabedoria; a imagem da alma permanecia na imagem virgem, que na Divindade havia
sido vista desde a eternidade. A pura imagem de Adão surgiu da sabedoria de
Deus. Pois Deus desejou ver e manifestar a si mesmo assim, numa imagem, esta
era a semelhança, segundo o Espírito de Deus, segundo a Trindade, uma imagem inteiramente
casta, como os anjos de Deus. Nesta imagem Adão era o filho de Deus, não apenas
uma semelhança, mas um filho, nascido de Deus, do Ser de todas as coisas.
25. Mostramos assim, de
forma breve, que tipo de imagem era Adão antes de sua queda e como Deus o
criou, a fim de melhor compreendermos o motivo pelo qual o Verbo de Deus
tornou-se homem, como isso ocorreu e o que foi com isso realizado.
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